“Eu amo Trás-os-Montes naquele silêncio das florestas e das estradas afastadas que aguardam ora a neve, ora o pavor do Verão. Amo-o ainda mais quando vejo a cor da terra e a sombra dos seus castelos em ruínas, quando suspeito o fundo dos rios, os recantos junto dos açudes e a altura das árvores. E perco-me desse mal de paixão, quando, de longe, Trás-os-Montes se assemelha vagamente a uma terra prometida aos seus filhos mais distantes, ou mais expulsos, ou mais ignorados, ou mais mortos apenas. E amam-se aquelas árvores porque vêm do interior da terra, justamente, sem invocar a sua antiguidade ou a sua grandiosidade. Ama-se o frio, até, o esplendor das geadas sobre os lameiros, o sabor da comida que nunca perdeu a intensidade nem a razão. E amam-se os rios, os areais, os poços das hortas, as cancelas de madeira que vão perdendo a cor, e talvez se amem o fogo das lareiras, os ramos mais altos dos freixos e das cerejeiras, os jardins abonecados das suas cidades, o granito das casas, o cheiro das aldeias onde ao fim da tarde se chama paz ao silêncio e se dá nome de chuva à água do céu.”
Francisco José Viegas

domingo, 2 de maio de 2010








Por que Deus permite

que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura, ar puro,

puro pensamento.

Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

mistério profundo

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.

Drummond de Andrade

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