“Eu amo Trás-os-Montes naquele silêncio das florestas e das estradas afastadas que aguardam ora a neve, ora o pavor do Verão. Amo-o ainda mais quando vejo a cor da terra e a sombra dos seus castelos em ruínas, quando suspeito o fundo dos rios, os recantos junto dos açudes e a altura das árvores. E perco-me desse mal de paixão, quando, de longe, Trás-os-Montes se assemelha vagamente a uma terra prometida aos seus filhos mais distantes, ou mais expulsos, ou mais ignorados, ou mais mortos apenas. E amam-se aquelas árvores porque vêm do interior da terra, justamente, sem invocar a sua antiguidade ou a sua grandiosidade. Ama-se o frio, até, o esplendor das geadas sobre os lameiros, o sabor da comida que nunca perdeu a intensidade nem a razão. E amam-se os rios, os areais, os poços das hortas, as cancelas de madeira que vão perdendo a cor, e talvez se amem o fogo das lareiras, os ramos mais altos dos freixos e das cerejeiras, os jardins abonecados das suas cidades, o granito das casas, o cheiro das aldeias onde ao fim da tarde se chama paz ao silêncio e se dá nome de chuva à água do céu.”
Francisco José Viegas

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

António "Mamotas"

Esta noticia, penso que já é um pouco "velha", mas, cá vái...
Apesar de ainda ter os seus caminhos em terra batida, o bairro do Rajado é um bairro da cidade de Chaves. Mas a sua proximidade do centro urbano não impede que os lobos ali ataquem os animais. Ou mesmo as pessoas. Foi o que aconteceu no passado sábado. O dia já clareava, embora ainda não fossem as seis. A família de António Rodrigues tinha madrugado e preparava-se para partir de fim de semana, rumo à aldeia. Subitamente, no quintal da casa, uma das suas filhas gritou: "Anda ali uma raposa!". "Mas não era nada uma raposa", contou depois o senhor António, que, do cimo dos seus 74 anos, bem sabe distinguir o que é raposa e o que é lobo. "Era um lobo e já não era menor, pois tinha muita prática de vida", garante, ele que, no seu tempo, chegou a ver sete juntos, lá no termo, nas proximidades das leiras que tem em Paradela de Monforte. Tinha a fera acabado com a vida de uma mansa cordeira que pernoitava fora, embora apenas protegida por uma cerca de arame, já que o cão da casa só se enfurece e ladra na presença de gatos. Às primeiras dentadas desmembrou o lobo logo uma das patas dianteiras da ovelha. E estava a comê-la quando foi interrompida pelo grito de alarme e susto da filha do senhor António. Enquanto, resoluto, foi o da casa deitar mão a um sacho com que, de uma assentada, acabaria com o bicho intruso, a sua mulher, Lurinda da Encarnação, foi diante e abriu a cancela da cerca, que, fechada como estava, sempre atrapalharia a incursão rápida que o marido lhe anunciara. Mas, antes mesmo de se sentir acossado pelo sacho que lhe viria destinado, avançou o lobo em direcção à cancela aberta. Apesar dos seus 72 anos já feitos, quis a dona Lurinda, com apenas o seu delgado e frágil corpo, impedir-lhe a fuga. Ou não fugiu ela a tempo de evitar a investida que viria a sofrer. "Deu-lhe uma dentada assim na barriga, salvo seja, e fez-lhe dois golpes com os dentes. Valeu-lhe a grossura da roupa, senão era pior", relata o senhor António. Mas a investida do lobo causou, também, danos colaterais, neste caso na mesma vítima. "Conforme se atirou a ela, meteu-lhe uma pata na parte, salvo seja, e fez-lhe uma grande pisadura. E, coitada, ao cair ainda fez um golpe no papo". Já não foi necessária a sachola. O urgente, agora, era acudir à mulher. Até porque o lobo deu meia volta, pulou a cerca e desapareceu. Recompostos todos – e depois de se certificarem que os ferimentos da dona Lurinda não eram muito graves – lembrou-se a família então de ir conferir os danos sofridos pela cordeira. Mas esta já jazia. A pata direita, desmembrada, estava a metro e meio de distância e boa parte do pescoço e do peito mais distantes ainda, já em provável processo de digestão. "Sangrou-a como a um cristão", descreve o senhor António, referindo-se, não sem pena e afecto, à sua cordeira, que, em termos meramente mercantis, avaliou em 13 contos. A cordeira do senhor António era única da espécie lá em casa. Aliás, a última de quatro que ali chegaram a conviver. A primeira foi para a comunhão do neto. Com outras duas, à uma, festejaram António e Lurinda as suas Bodas de Ouro. Engordavam esta para a próxima festa que marcassem, o que em nada diminuía o afecto da família pelo animal. Ou, se não era afecto o sentimento revelado, seria o de pena por antes deles se ter nela banqueteado o maldito lobo. O que é certo é que, perante a cordeira morta e destroçada na lameira da sua casa, o senhor António não parava de praguejar contra os lobos e "esses de agora" que os protegem e até os soltam por esses montes, "para andarem por aí nestes trabalhos". "Dizem que é proibido matá-los? Pois se o apanhasse arreava-lhe uma sacholada que o matava na hora. E fosse à frente de quem fosse..." O senhor António não sabia que, a comprovar-se que a sua cordeira tinha mesmo sido atacada por um lobo, há serviços estatais que o indemnizam por todos prejuízos sofridos.
in Diário de Trás-os-Montes

1 comentário:

Anónimo disse...

Está demais!!!